sábado, 30 de abril de 2011

JOVENS EM APUROS

O pastor Marcelo Gualberto, da MPC, analisa a juventude evangélica brasileira



A juventude, nas igrejas evangélicas, sempre foi vista como sinônimo de dinamismo e disposição para a obra de Deus. Há coisa de uns 20 ou 30 anos, moços e moças crentes, empolgados com a fé, desejavam mudar o mundo pelo Evangelho – a começar pela própria casa, escola e amigos. Não eram poucos os que apresentavam-se como candidatos a missionários. Novos tempos, novas prioridades. Hoje, a moçada crente – que continua sendo maioria na membresia das igrejas – está mais preocupada com outras coisas. A satisfação das próprias necessidades e desejos, o consumo, a preocupação em estabelecer logo uma carreira e conquistar a independência financeira é o que tem movido os jovens de hoje.


A análise é do pastor Marcelo Gualberto da Silva, 48 anos, diretor nacional da Mocidade para Cristo (MPC), uma entidade paraeclesiástica que se tornou referência para a juventude evangélica brasileira. Pode-se dizer que Marcelo e a MPC confundem-se um com o outro, já que o pastor está ligado à entidade desde que tinha 16 anos de idade. Casado, três filhas jovens, o pastor é formado em teologia e letras e pós-graduado em recursos humanos e exerce ainda o pastorado da Congregação Presbiteriana Central de Belo Horizonte (MG), cidade onde fica a sede da MPC.


É da capital mineira que a entidade, reconhecida como de utilidade pública federal, coordena e executa uma série de atividades, como o programa Estudantes em Ação, de evangelismo em escolas; o Projeto Amar, voltado para crianças e adolescentes carentes; e o Desperta Débora, movimento de mães intercessoras, uma rede de mulheres que oram sistematicamente por seus filhos e pela juventude brasileira. Há ainda trabalhos de orientação profissional, prevenção de gravidez precoce, acampamentos temáticos etc.


Uma das figuras mais conhecidas entre os evangélicos brasileiros – ele roda o país inteiro participando de congressos, dando palestras e organizando eventos –, Marcelo não tem dúvidas: a Igreja mudou para pior, e levou o jovem evangélico de roldão no mesmo processo.


“Esta é uma geração que perdeu a sua identidade. O compromisso com Deus e o senso de missão perderam-se pelo caminho”, aponta. O hedonismo, na opinião do pastor, entrou para valer na Igreja. “A ênfase está no prazer, no sentir-se bem, no ser abençoado.” Estas e outras críticas à situação da mocidade evangélica estão nesta entrevista:






Uma pesquisa divulgada mês passado aponta que, nos últimos 10 anos, o número de mortes violentas de pessoas entre 15 e 24 anos subiu 95%. Cerca de 60% das mortes nesta faixa de idade são causadas por asssassinato. Ser jovem, no Brasil, é estar num grupo de risco?


Acredito que sim. Esses números falam por si. Vivemos num mundo jovem, onde 65% da população mundial têm menos de 25 anos. Só que milhões vivem na pobreza, na miséria absoluta. Isso acarreta necessidades que, por sua vez, geram violência. E a violência chama mais violência e, conseqüentemente, riscos de morte. Também não podemos deixar de observar o fator escatológico nesse processo. O próprio Jesus disse que no fim dos tempos, filhos se levantariam contra pais, e vice-versa. É o que temos visto – a violência contra os da própria casa também é um sinal da volta do Senhor.






Qual sua análise sobre a juventude de hoje?


A juventude, principalmente a de classe média, é uma juventude sem grandes sonhos. Falta visão e discernimento do momento presente. É uma geração consumista e hedonista. O jovem hoje quer conseguir aos 20 anos o que seus pais só conseguiram aos 45 ou 50 anos. É a mentalidade “capetalista” do ter e do prazer a qualquer preço, aqui e agora.






Na sua opinião, quais deveriam ser as políticas públicas emergenciais a serem adotadas em favor da juventude?


A primeira tem a ver com a educação. É revoltante pensar que educação, no Brasil, gera lucro, assim como a saúde. Isso quando ambas, educação e saúde, deveriam ser prioridades máximas em todos os níveis de governo, do municipal ao federal. Ninguém poderia se enriquecer como empresário no ramo da educação. Bem, em segundo lugar o governo precisaria, a curto prazo, tirar das ruas os meninos e meninas que fazem dos viadutos e pontes as suas casas. Outro dia vi um coronel, comandante do corpo de bombeiros em São Paulo, que “adotou” cerca de 12 adolescentes. Eles recebem alimentação, roupa, ensino e instrução profissionalizante dentro do quartel. Estão felizes, amparados, protegidos e desafiados a se tornarem futuros bombeiros. Pense em quantos quartéis com espaço ocioso temos no Brasil e como seria fácil e barato investir em adolescentes carentes. O que falta é vontade política do governo.






Juventude, na Igreja Evangélica, sempre foi vista sob o prisma do dinamismo, inclusive na obra de Deus. Houve época, por volta dos anos 70, em que o furor missionário da moçada estava no auge. Hoje, quais são as perspectivas do jovem crente?


É fato que, embora a Igreja tenha crescido numericamente, em termos qualificativos nós perdemos muito. Esta é uma geração que perdeu a sua identidade. O que somos? Na década de 60, éramos protestantes. Nos anos 70, éramos crentes. Nos anos 80, éramos evangélicos. De 90 pra cá, somos gospel. O que é ser “gospel”? Com relação a juventude evangélica, na década de 70, realmente, havia muito mais compromisso, visão e senso de missão encarnado.






E por que isso mudou?


Porque naquela época, ao contrário de hoje, a ênfase não era no prazer, e sim no senhorio de Cristo. Só que a ênfase passou do cristocentrismo para o egocentrismo, ou seja, as reuniões, os cultos são feitos em função do homem. O objetivo é sentir-se bem, que é quase um sinônimo de ser abençoado. Esta é uma tendência quase que geral da Igreja Evangélica como um todo que precisa ser mudada. As perspectivas do jovem crente hoje estão voltadas para ele mesmo. É claro que há exceções, e não são poucas. Mas no geral, a Igreja Evangélica hoje é conformista e voltada para o próprio umbigo.






Mesmo assim, a Igreja Evangélica cresce como nunca...


Mas então como explicar o crescimento da Igreja e a sua inoperância como sal e luz? Ou, dizendo em outras palvras: por que a Igreja cresce e o Brasil não melhora? Vivemos um evangelho raso onde Jesus é um Senhor fácil de ser seguido e também fácil de ser deixado. Basta o pastor pregar uma mensagem um pouco mais dura ou pesada que muitos reclamam à moda antiga: “Duro é esse discurso; quem o pode suportar?” Por causa disso nasceu a “igreja flutuante”, que navega à procura da bênção, pulando de galho em galho. É um fenômeno que observo entre a mocidade. Virou moda mudar de denominação. Quantos jovens já estão na quinta ou na sexta igreja?






A vocação missionária tem crescido entre os jovens?


Muito pouco. É aquilo que já dissemos – o evangelho pregado hoje é mais voltado para o bem-estar de pessoas do que para a transformação do mundo. Mas graças a Deus por alguns que, com coragem, têm encarado o desafio da evangelização local e transcultural.






Um novo perfil social, o do “adolescente adulto” – gente que, mesmo com mais de 30 anos, apresenta um comportamento imaturo –, é cada vem mais comum hoje. Entre os crentes, o fenômeno se repete?


Outro dia estava pregando num congresso para adolescentes e me assustou o fato de ver ali dezenas de adolescentes de 22, 24, 25 anos. A questão é a seguinte: dá status ser adolescente. Há 20 ou 30 anos, ao contrário, era vergonhoso ser adolescente. Foi daí que surgiu aquele termo pejorativo – “aborrecente”. Hoje, não. O mundo dá um valor enorme a essa grande força de consumo representada pelo público adolescente. Todo mundo quer, de alguma maneira, ser ou continuar sendo adolescente. Isso afeta a muitos evangélicos também, inclusive pessoas de até 40 ou 50 anos. Para serem aceitos, muitos adotam um estilo adolescente de viver a vida.






Existe conflito de gerações na família evangélica?


Conflito de gerações acontece em quase todas as famílias, sejam elas cristãs ou não. É uma questão de mentalidade. Nós, os pais, precisamos pensar com a cabeça dos filhos, ou seja, tentar sentir suas dores, angústias e sofrimentos. Nós, os mais velhos, não podemos desprezar a nossa própria juventude. Quando trazemos à memória os anos dourados da adolescência, conseguimos criar uma ponte capaz de nos unir à geração dos nossos filhos.






O senhor acha válido promover eventos, como festivais gospel, para atrair jovens à igreja?


Olha, eu faço minhas as palavras do apóstolo Paulo em I Coríntios 9.22: “Para com os fracos tornei-me fraco, para ganhar os fracos. Tornei-me tudo para com todos, para de alguma forma salvar alguns”. Eu entendo que todo método, desde que não caia em contradição com a Palavra de Deus, é válido e deve ser usado no ministério juvenil.






O sexo continua sendo a grande dificuldade espiritual para o jovem crente?


Pelo que tenho visto ao longo de todo este tempo de trabalho entre a juventude, sim. Esta é a área mais difícil na vida de um jovem cristão. Manter-se virgem até o casamento é motivo de piada na escola. Às vezes, a pressão é tão forte que o jovem cristão, mesmo querendo agradar a Deus, não suporta e fraqueja nessa área. Há ainda a pressão da mídia, que é muito forte. Entretanto, devemos nos lembrar que Deus é fiel e não nos abandonará à nossa própria sorte. Ninguém é tentado acima das suas próprias forças. Toda tentação é acompanhada do escape de Deus. Neste caso, vale lembrar a palavra de I Coríntios 10.13.






Defender a virgindade até o casamento está cada vez mais anacrônico, não?


A palavra-chave para o solteiro é abstinência sexual. E, para o casado, fidelidade. Isso não mudou.






Carlos Fernandes


é Editor e Redator da revista Eclésia

















quinta-feira, 28 de abril de 2011

BEM VINDO A IGREJA

“Vinde a mim os que estão cansados e sobrecarregados e eu os aliviarei. Tomai sobre vós o meu jugo, e aprendei de mim, porque sou manso e humilde coração; e achareis descanso para as vossas almas, porque o meu jugo é suave e o meu fardo é leve” Mt. 1: 28 a 30.


A Igreja tem que ser a resposta para os anseios desse individuo cansado e oprimido. Se no mundo há competição, a Igreja deve ser cheia de cooperação, se no mundo há perda de identidade, na igreja deve haver pleno auto conhecimento, se no mundo há solidão, na Igreja deve haver amor.

Na Igreja a pessoa deve ser valorizada pelo que é.

A Igreja tem se tornado um hospital neurótico onde o paciente não tem liberdade e ambiente para falar da sua de sua doença. “Você é bem vindo ao hospital desde que não fale de sua doença”

A Igreja é um lugar terapêutico, de restauração, de cura, onde as pessoas podem ser transparentes e amadas como são.

A Igreja deve estar cheia do poder de Deus para enfrentar principados e potestades, dominadores desse mundo tenebroso. A Igreja deve ser lugar de libertação, perdão de pecados.

A Igreja deve ser sal para evitar por completo a deterioração da sociedade, sendo referência de justiça, bondade, honestidade, serviço, qualidade e ética.

A Igreja deve ser luz do mundo em uma ação profética, partindo para denuncia, pregação, convocação ao arrependimento do pecado estrutural

ESSA É A SUA IGREJA?

EPI

sábado, 16 de abril de 2011

REALENGO

POR CONTARDO CALLIGARIS




1) EM MARÇO de 2009, em Wendlingen, Alemanha, um jovem de 17 anos entrou no colégio do qual ele tinha sido aluno e começou uma matança que terminou com seu suicídio e custou a vida a 15 pessoas.



Na época, notei que, para os suicidas-assassinos de massa, encarnar o anjo da morte é sempre uma demonstração pública. E perguntei: uma demonstração de quê?





Pois é, num mundo dominado por máscaras e aparências, talvez os únicos eventos que se destaquem por serem indiscutivelmente reais sejam o nascimento e a morte. Nessa ótica, as meninas, para nos obrigar a levá-las a sério, podem engravidar e dar à luz. Quanto aos meninos, o que lhes sobra para serem levados a sério é morrer ou matar.



Por isso as meninas pensam no amor, e os meninos, na guerra; as meninas sonham em ser mestres da vida, os meninos sonham em ser mestres da morte.



Em suma, atrás da singularidade das razões de cada um, os suicidas-assassinos (todos homens) parecem agir na tentativa desesperada de se levarem a sério e de serem, enfim, levados a sério: “O mundo me despreza e me desprezará mais ainda, mas, diante de meu ato mortífero, não poderá negar que sou gente grande, um “macho de respeito’”.



Mais um detalhe. Cada vez mais, a preservação da vida parece ser nosso valor supremo. Todos estão dispostos a qualquer coisa para não morrer; não é estranho que, de repente, aos olhos de alguns, a verdadeira marca de superioridade pareça ser a facilidade em matar e se matar.



2) É possível que a vida escolar de Wellington, o assassino de Realengo, tenha sido um suplício. Mas a simples vingança pelo bullying sofrido não basta para explicar seu ato. Eis um modelo um pouco mais plausível (e infelizmente comum).



Durante sua adolescência, um jovem é zombado pelos colegas e, sobretudo, pelas meninas que despertam seu desejo. Para se proteger contra a recusa e a humilhação, o jovem se interdita o que ele deseja e que lhe está sendo negado: “As meninas que eu gosto riem de mim e de meu desejo por elas; para não me transformar numa piada, farei da necessidade virtude: entrarei eu mesmo em guerra contra meu desejo. Ou seja, transformarei a exclusão e a gozação num valor: não fui rechaçado, eu mesmo me contive -por exemplo, porque quero me manter ilibado, sem mancha”.



Wellington, o assassino de Realengo, na sua carta de despedida, pede para não ser contaminado por mãos impuras. Difícil não pensar no medo de ele ser contaminado por suas próprias mãos, e no fato de que a morte das meninas preservaria sua pureza, libertando-o da tentação.



A matança, neste caso, é uma maneira de suprimir os objetos de desejo, cuja existência ameaça o ideal de pureza do jovem. Ora, é graças a esse ideal que ele transformou seu fracasso social e amoroso numa glória religiosa ou moral. Como se deu essa transformação?



Simples. Para transformar os fracassos amorosos em glória, o fanatismo religioso é o cúmplice perfeito. Funciona assim: você é isolado? Sente-se excluído da festa mundana? Pois bem, conosco você terá uma igreja (real ou espiritual, tanto faz) que lhe dará abrigo; ajudaremos você a esquecer o desejo de participar de festas das quais você foi e seria excluído, pois lhe mostraremos que esse não é seu desejo, mas apenas a pérfida tentação do mundo. Você acha que foi rechaçado? Nada disso; ao contrário, você resistiu à sedução diabólica. Você acha que seu desejo volta e insiste? Nada disso, é o demônio que continua trabalhando para sujar sua pureza.

Graças ao fanatismo, em vez de sofrer com a frustração de meus desejos, oponho-me a eles como se fossem tentações externas. As meninas me dão um certo frio na barriga? Nenhum problema, preciso apenas evitar sua sedução -quem sabe, silenciá-las.

Fanático (e sempre perigoso) é aquele que, para reprimir suas dúvidas e seus próprios desejos impuros, sai caçando os impuros e os infiéis mundo afora.



Há uma lição na história de Realengo -e não é sobre prevenção psiquiátrica nem sobre segurança nas escolas. É uma lição sobre os riscos do aparente consolo que é oferecido pelo fanatismo moral ou religioso. Dito brutalmente, na carta sinistra de Wellington, eu leio isto: minha fé me autorizou a matar meninas (e a me matar) para evitar a frustrante infâmia de pensamentos e atos impuros.



[Folha de S.Paulo, Ilustrada, 14 de abril]